Na primeira vez em que conheci Mary, ela veio ao projeto de cirurgia de emergência da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Tari, na Papua Nova Guiné (PNG), com ferimentos por todo o seu corpo, pois seu marido havia a agredido com um pedaço de pau. Na segunda vez em que a vi no hospital, ela estava com lacerações terríveis em sua mão; seu marido havia tentado “cortar” sua cabeça com um machete e ela havia levantado a mão para se proteger. Na terceira vez, ele havia dado um soco nela e quebrou seu nariz. E, na quarta vez, menos de um mês atrás, tivemos de suturar cortes na cabeça e nas costas dela depois dele tê-la agredido brutalmente com uma pedra.
Depois, no fim de semana passado, Mary aventurou-se a sair para ir ao mercado em Tari, desafiando as ordens estritas de seu marido para que fique em casa em todos os momentos. Quando ele a encontrou, atacou-a em público, quebrando um braço e uma perna. Agora, ela está de volta ao nosso hospital – pela quinta vez – em uma cadeira de rodas, recuperando-se lentamente.
Ao longo dos últimos oito meses, eu tenho trabalhado como enfermeira gestora do projeto de MSF em Tari – a capital remota de um distrito remoto nesse país insular pouco conhecido no norte da Austrália. Nós trabalhamos na ala cirúrgica do hospital provincial, por vezes ajudando a estabilizar pacientes com ferimentos graves de acidentes rodoviários, queimaduras e abcessos na pele. Mas quase um terço de nossos pacientes são pessoas que foram gravemente feridas por violência familiar e sexual. Quase todos são mulheres e crianças. Nós oferecemos cuidados médicos de primeira linha e cirurgia, quando necessário, no hospital e depois as levamos para receber tratamento especializado e cuidados de saúde mental no Centro de Apoio à Família de MSF logo ali ao lado.
Mulher que sofreu fratura na perna recebe cuidados no hospital de Tari, na PNG (Foto: Jodi Bieber)MSF começou a atuar na PNG há nove anos porque havia uma necessidade enorme desses serviços específicos; frequentemente, eu ouvia as pessoas da comunidade dizendo que MSF havia salvado milhares de vidas estando aqui. Essa parte – ajudar a fazer uma diferença significativa na vida de nossos pacientes – tem sido extremamente gratificante. Mas eu não posso ignorar os problemas que nós, como uma organização, não podemos resolver.
Toda vez que a Mary vinha para receber tratamento, ela estava com muito medo de voltar para casa e ser agredida novamente. Mas ela estava com mais medo ainda do que poderia acontecer se ela deixasse seus três filhos sozinhos, ou sozinhos com seu marido, então sempre recusou meus convites para passar a noite internada.
Nessa última vez, no entanto, quando eu disse a ela que seus ferimentos estavam tão graves que ela não poderia ir para casa, ela teve de ficar internada, e eu pude ver que ela estava aliviada. Ela ainda estava preocupada com seus filhos, mas agora ela teve um tempo de refúgio forçado do seu algoz.
Eu queria que a Mary fosse um caso excepcional, um extremo do que vemos no hospital e no Centro de Apoio à Família. Mas ela não é. MSF tratou 27.993 sobreviventes de violência familiar e sexual desde 2009 e o número aumenta todo ano. Muitas de nossas pacientes vieram mais de uma vez – mulheres presas em relacionamentos abusivos, ou crianças que provavelmente foram abusadas por um membro da família ou por outra pessoa conhecida.
dailaneazevedo
Na primeira vez em que conheci Mary, ela veio ao projeto de cirurgia de emergência da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Tari, na Papua Nova Guiné (PNG), com ferimentos por todo o seu corpo, pois seu marido havia a agredido com um pedaço de pau. Na segunda vez em que a vi no hospital, ela estava com lacerações terríveis em sua mão; seu marido havia tentado “cortar” sua cabeça com um machete e ela havia levantado a mão para se proteger. Na terceira vez, ele havia dado um soco nela e quebrou seu nariz. E, na quarta vez, menos de um mês atrás, tivemos de suturar cortes na cabeça e nas costas dela depois dele tê-la agredido brutalmente com uma pedra.
Depois, no fim de semana passado, Mary aventurou-se a sair para ir ao mercado em Tari, desafiando as ordens estritas de seu marido para que fique em casa em todos os momentos. Quando ele a encontrou, atacou-a em público, quebrando um braço e uma perna. Agora, ela está de volta ao nosso hospital – pela quinta vez – em uma cadeira de rodas, recuperando-se lentamente.
Ao longo dos últimos oito meses, eu tenho trabalhado como enfermeira gestora do projeto de MSF em Tari – a capital remota de um distrito remoto nesse país insular pouco conhecido no norte da Austrália. Nós trabalhamos na ala cirúrgica do hospital provincial, por vezes ajudando a estabilizar pacientes com ferimentos graves de acidentes rodoviários, queimaduras e abcessos na pele. Mas quase um terço de nossos pacientes são pessoas que foram gravemente feridas por violência familiar e sexual. Quase todos são mulheres e crianças. Nós oferecemos cuidados médicos de primeira linha e cirurgia, quando necessário, no hospital e depois as levamos para receber tratamento especializado e cuidados de saúde mental no Centro de Apoio à Família de MSF logo ali ao lado.
Mulher que sofreu fratura na perna recebe cuidados no hospital de Tari, na PNG (Foto: Jodi Bieber)MSF começou a atuar na PNG há nove anos porque havia uma necessidade enorme desses serviços específicos; frequentemente, eu ouvia as pessoas da comunidade dizendo que MSF havia salvado milhares de vidas estando aqui. Essa parte – ajudar a fazer uma diferença significativa na vida de nossos pacientes – tem sido extremamente gratificante. Mas eu não posso ignorar os problemas que nós, como uma organização, não podemos resolver.
Toda vez que a Mary vinha para receber tratamento, ela estava com muito medo de voltar para casa e ser agredida novamente. Mas ela estava com mais medo ainda do que poderia acontecer se ela deixasse seus três filhos sozinhos, ou sozinhos com seu marido, então sempre recusou meus convites para passar a noite internada.
Nessa última vez, no entanto, quando eu disse a ela que seus ferimentos estavam tão graves que ela não poderia ir para casa, ela teve de ficar internada, e eu pude ver que ela estava aliviada. Ela ainda estava preocupada com seus filhos, mas agora ela teve um tempo de refúgio forçado do seu algoz.
Eu queria que a Mary fosse um caso excepcional, um extremo do que vemos no hospital e no Centro de Apoio à Família. Mas ela não é. MSF tratou 27.993 sobreviventes de violência familiar e sexual desde 2009 e o número aumenta todo ano. Muitas de nossas pacientes vieram mais de uma vez – mulheres presas em relacionamentos abusivos, ou crianças que provavelmente foram abusadas por um membro da família ou por outra pessoa conhecida.