Bom dia! no século passado, a crescente valorização dos fatores afetivos ou instintivos na explicação da loucura, embora motivasse inovações psicoterápicas, implicava uma questão intrigante: como é possível um conhecimento válido de processos que são subjetivos e portanto, inobserváveis? karl jaspers, desde 1913, discutia a fundo esta questão epistemológica na sua psicopatologia geral – uma autêntica crítica da razão psiquiátrica, reeditada e ampliada até 1959. segundo jaspers, em psicopatologia, os objetos possíveis de conhecimento são dois: os fenômenos psíquicos (singulares) e as relações deles com outros eventos. os primeiros implicam uma psicopatologia estática, que pode ser subjetiva ou objetiva. o método para a primeira deve necessariamente ser o da fenomenologia de husserl. é preciso descartar qualquer teoria ou qualquer conceito precedente para colher o vivido pelo outro, tal como se apresenta intuitivamente, numa compreensão por identificação com ele. de outro lado, uma psicopatologia objetiva estuda os aspectos externos dos estados psíquicos, como a postura, o discurso, a mímica facial, por exemplo; e seu método não visa a uma compreensão, mas a uma explicação – tal explicação, segundo minkowski, limita-se ao nível organo-psíquico da loucura. de outro lado, uma psicopatologia dinâmica ocupa-se das relações dos fenômenos psíquicos com outros eventos: são as relações psíquicas. destas, algumas são as compreensíveis, que podem ser intuídas, mas não explicadas. por exemplo, como a espera produz ansiedade, como uma perda ou fracasso gera depressão, etc. mas as relações causais, que tanto interessam ao cientista e ao clínico, exigem uma psicopatologia explicativa que relacione o surgimento de um fenômeno psíquico a alguma causa externa ao mundo psíquico, subjetivo. por exemplo, as relações que ligam a ingestão de álcool ao delírium tremens, aos distúrbios hormonais, à irritabilidade, à fadiga, aos prejuízos no desempenho de tarefas, etc. mas, note-se que as relações causais que a psicopatologia explicativa aponta são entre algum efeito psíquico e um evento causal extra psíquico. pois a relação entre dois eventos psíquicos é apenas compreensível, não pode ser explicada. fica claro que só uma psicopatologia explicativa pode fundar uma teoria da loucura capaz de elaborar princípios explicativos e leis gerais. já o conhecimento compreensivo limita-se a cada caso individualmente, e dependerá, essencialmente, de alguma capacidade de identificação afetiva e intuitiva com o vivido pelo paciente. uma capacidade que será tanto maior quanto mais o terapeuta houver passado por experiências comuns com as do paciente. dessas considerações, jaspers chega a uma conclusão radical: pode-se tentar uma explicação do comportamento do louco, mas a sua loucura ou o seu mundo delirante é inacessível à compreensão. pois o que ele vivencia nada tem em comum com a história de experiências de qualquer outra pessoa. sim, o delírio esquizofrênico, por exemplo, tem significados, mas tais significados são inacessíveis tanto à compreensão, quanto à explicação. dessas considerações, jaspers chega a uma conclusão radical: pode-se tentar uma explicação do comportamento do louco, mas a sua loucura ou o seu mundo delirante é inacessível à compreensão. pois o que ele vivencia nada tem em comum com a história de experiências de qualquer outra pessoa. sim, o delírio esquizofrênico, por exemplo, tem significados, mas tais significados são inacessíveis tanto à compreensão, quanto à explicação. a tese de jaspers expunha um problema metodológico e clínico: como entender e como lidar clinicamente com processos subjetivos? se eles não podem ser compreendidos e nem explicados, como intervir clinicamente sobre eles? uma resposta construtiva a tais questões exigiria reflexões sobre os modos possíveis de conhecer e de relacionar-se com o outro – neste caso, o paciente. tais reflexões estão na base da psicopatologia de minkowski e de binswanger, dois discípulos de bleuler, clínicos e filósofos, ambos muito influenciados pela fenomenologia de husserl. além disso, a psicopatologia de binswanger inspira-se na filosofia existencialista de heidegger; e a de minkowski, é marcada nitidamente pela de bergson. espero ter ajudado, bons estudos.
clara2018
Bom dia! no século passado, a crescente valorização dos fatores afetivos ou instintivos na explicação da loucura, embora motivasse inovações psicoterápicas, implicava uma questão intrigante: como é possível um conhecimento válido de processos que são subjetivos e portanto, inobserváveis? karl jaspers, desde 1913, discutia a fundo esta questão epistemológica na sua psicopatologia geral – uma autêntica crítica da razão psiquiátrica, reeditada e ampliada até 1959. segundo jaspers, em psicopatologia, os objetos possíveis de conhecimento são dois: os fenômenos psíquicos (singulares) e as relações deles com outros eventos. os primeiros implicam uma psicopatologia estática, que pode ser subjetiva ou objetiva. o método para a primeira deve necessariamente ser o da fenomenologia de husserl. é preciso descartar qualquer teoria ou qualquer conceito precedente para colher o vivido pelo outro, tal como se apresenta intuitivamente, numa compreensão por identificação com ele. de outro lado, uma psicopatologia objetiva estuda os aspectos externos dos estados psíquicos, como a postura, o discurso, a mímica facial, por exemplo; e seu método não visa a uma compreensão, mas a uma explicação – tal explicação, segundo minkowski, limita-se ao nível organo-psíquico da loucura. de outro lado, uma psicopatologia dinâmica ocupa-se das relações dos fenômenos psíquicos com outros eventos: são as relações psíquicas. destas, algumas são as compreensíveis, que podem ser intuídas, mas não explicadas. por exemplo, como a espera produz ansiedade, como uma perda ou fracasso gera depressão, etc. mas as relações causais, que tanto interessam ao cientista e ao clínico, exigem uma psicopatologia explicativa que relacione o surgimento de um fenômeno psíquico a alguma causa externa ao mundo psíquico, subjetivo. por exemplo, as relações que ligam a ingestão de álcool ao delírium tremens, aos distúrbios hormonais, à irritabilidade, à fadiga, aos prejuízos no desempenho de tarefas, etc. mas, note-se que as relações causais que a psicopatologia explicativa aponta são entre algum efeito psíquico e um evento causal extra psíquico. pois a relação entre dois eventos psíquicos é apenas compreensível, não pode ser explicada. fica claro que só uma psicopatologia explicativa pode fundar uma teoria da loucura capaz de elaborar princípios explicativos e leis gerais. já o conhecimento compreensivo limita-se a cada caso individualmente, e dependerá, essencialmente, de alguma capacidade de identificação afetiva e intuitiva com o vivido pelo paciente. uma capacidade que será tanto maior quanto mais o terapeuta houver passado por experiências comuns com as do paciente. dessas considerações, jaspers chega a uma conclusão radical: pode-se tentar uma explicação do comportamento do louco, mas a sua loucura ou o seu mundo delirante é inacessível à compreensão. pois o que ele vivencia nada tem em comum com a história de experiências de qualquer outra pessoa. sim, o delírio esquizofrênico, por exemplo, tem significados, mas tais significados são inacessíveis tanto à compreensão, quanto à explicação. dessas considerações, jaspers chega a uma conclusão radical: pode-se tentar uma explicação do comportamento do louco, mas a sua loucura ou o seu mundo delirante é inacessível à compreensão. pois o que ele vivencia nada tem em comum com a história de experiências de qualquer outra pessoa. sim, o delírio esquizofrênico, por exemplo, tem significados, mas tais significados são inacessíveis tanto à compreensão, quanto à explicação. a tese de jaspers expunha um problema metodológico e clínico: como entender e como lidar clinicamente com processos subjetivos? se eles não podem ser compreendidos e nem explicados, como intervir clinicamente sobre eles? uma resposta construtiva a tais questões exigiria reflexões sobre os modos possíveis de conhecer e de relacionar-se com o outro – neste caso, o paciente. tais reflexões estão na base da psicopatologia de minkowski e de binswanger, dois discípulos de bleuler, clínicos e filósofos, ambos muito influenciados pela fenomenologia de husserl. além disso, a psicopatologia de binswanger inspira-se na filosofia existencialista de heidegger; e a de minkowski, é marcada nitidamente pela de bergson. espero ter ajudado, bons estudos.