Vingança? maria rita kehl “sou obrigada a concordar com friedrich nietzsche: na origem da demanda por

Vingança?
maria rita kehl
“sou obrigada a concordar com friedrich nietzsche: na origem da demanda por justiça está o desejo de vingança. nem por isso as duas coisas se equivalem. o que distingue civilização de barbárie é o empenho em produzir dispositivos que separem um de outro. essa é uma das questões que devemos responder a cada vez que nos indignamos com as consequências da tradicional violência social em nosso país.
escrevo ‘tradicional’ sem ironia. o brasil foi o último país livre no ocidente a abolir a prática bárbara do trabalho escravo. durante três séculos, a elite brasileira capturou, traficou, explorou e torturou africanos e seus descendentes sem causar muito escândalo.
joaquim nabuco percebeu que a exploração do trabalho escravo perverteria a sociedade brasileira – a começar pela própria elite escravocrata. ele tinha razão.
ainda vivemos sérias consequências desse crime prolongado que só terminou porque se tornou economicamente inviável. assim como pagamos o preço, em violência social disseminada, pelas duas ditaduras – a de vargas e a militar (1964 a 1985) – que se extinguiram sem que os crimes de lesa-humanidade praticados por agentes de estado contra civis capturados e indefesos fossem apurados, julgados, punidos.
hoje, três décadas depois de nossa tímida anistia ‘ampla, geral e irrestrita’, temos uma polícia ainda militarizada, que comete mais crimes contra cidadãos rendidos e desarmados do que o fez durante a ditadura militar.
por que escrevo sobre esse passado supostamente distante ao me incluir no debate sobre a redução da maioridade penal? porque a meu ver, os argumentos em defesa do encarceramento de crianças no mesmo regime dos adultos advêm dessa mesma triste ‘tradição’ de violência social.
é muito evidente que os que conduzem a defesa da mudança na legislação estão pensando em colocar na cadeia, sob a influência e a ameaça de bandidos adultos já muito bem formados na escola do crime, somente os ‘filhos dos outros’.
quem acredita que o filho de um deputado, evangélico ou não, homofóbico ou não, será julgado e encarcerado aos 16 anos por ter queimado um índio adormecido, espancado prostitutas ou fugido depois de atropelar e matar um ciclista?
sabemos, sem mencioná-lo publicamente, que essa alteração na lei visa apenas os filhos dos ‘outros’. estes outros são os mesmos, há 500 anos. os expulsos da terra e ‘incluídos’ nas favelas. os submetidos a trabalhos forçados.
são os encarcerados que furtaram para matar a fome e esperam anos sem julgamento, expostos à violência de criminosos periculosos. são os militantes desaparecidos durante a ditadura militar de 1964-85, que a comissão da verdade não conseguiu localizar porque os agentes da repressão se recusaram a revelar seu paradeiro.
este é o brasil que queremos tornar menos violento sem mexer em nada além de reduzir a idade em que as crianças devem ser encarceradas junto de criminosos adultos. alguém acredita que a medida há de amenizar a violência de que somos (todos, sem exceção) vítimas?
as crianças arregimentadas pelo crime são evidências de nosso fracasso em cuidar, educar, alimentar e oferecer futuro a um grande número de brasileiros. esconder nossa vergonha atrás das grades não vai resolver o problema.
vamos vencer nosso conformismo, nossa baixa estima, nossa vontade de apostar no pior – em uma frase, vamos curar nossa depressão social. inventemos medidas socioeducativas que funcionem: sabemos que os presídios são escolas de bandidos. vamos criar dispositivos que criem cidadãos, mesmo entre os miseráveis – aqueles de quem não se espera nada.”
fonte: . acesso em 20 jun. 2015
com base na leitura, analise as afirmativas:
i. infere-se que, para a autora, a criminalidade tem causa nos problemas sociais e o desejo de vingança fundamenta a ideia da redução da maioridade penal, que não resolveria o problema da violência no brasil.
ii. na argumentação, a autora vale-se do apelo à autoridade e da apresentação de fatos históricos.
iii. o texto é um artigo de opinião, com estrutura argumentativa.
é correto o que se afirma em:

1 Resposta

  • MELIODASdaIRA

    A afirmativa correta é a letra a)I e II.

    I.A redução da maioridade penal, de acordo com o texto, não expressa desejo de justiça e não irá solucionar o problema da violência no Brasil.  

    A afirmativa está verdadeira. Segundo a autora, a redução da maioridade penal não evidencia a presença de justiça, mas apenas revela a presença de de grandes desigualdades no Brasil.

    II.Para a autora, a criminalidade tem causa nos problemas sociais e a redução da maioridade penal é reflexo da tradicional exclusão que marca a história brasileira.

    Verdadeiro. A criminalidade para a autora é fruto de entraves sociais, marcando a presença de grandes faltas no passado do poder público, evidenciando fragilidade na administração e cuidado do cidadão.

    III.De acordo com a autora, a escravidão só terminou porque homens como Joaquim Nabuco lutaram para isso e, no momento atual, devemos ter líderes que criem dispositivos para formar cidadãos.  

    Incorreto. Segundo a autora, o término da escravidão foi fruto de um processo que não apresentava mais benefícios financeiros. Logo, foi um processo que entrou em decadência.

    IV.A sociedade, segundo o texto, não deve ter expectativas em relação aos miseráveis, responsáveis pela nossa depressão social.  

    Incorreto. A sociedade deve ter esperança diante dos menos abastados, levando o poder público a cuidar e zelar por essas vidas e futuros.


    Justiça ou vingança? maria rita kehl sou obrigada a concordar com friedrich nietzsche: na origem

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