(ufba) o velho zé paulino nunca vendeu uma gota de leite de seu cercado. tudo de graça. criara assim filhos
de juízes, de promotores, de todos que lá lhe mandassem pedir. — só quero ver como vai passar este povo do pilar quando o velho morrer – diziam as negras. a manhã fria encheu-me de uma coragem esquisita, de uma grande vontade de viver. sentado na banca, estava meu avô a olhar de longe o que nos outros tempos via de perto, dando ordens, gritando, reparando em malfeitos. o seu gado, agora, saía para o pasto sem o seu cuidado, a sua vigilância. antigamente olhava um por um, para descobrir bicheiras, úberes intumescidos. hoje, de longe, como se tivesse perdido tudo e não fosse mais o dono de nada. saí pela estrada, com os primeiros raios de sol espelhando no canavial. as cajazeiras acordavam com os canários estalando. os pássaros festejavam o dia, dos seus galhos pingando da chuva da noite. por debaixo delas a madrugada não tinha ido embora. fazia ainda frio e escuro sob as suas copas arredondadas. os meninos, de garrafas de leite penduradas, marchavam na frente, de pés no chão, magros e amarelos como todos os meninos do santa rosa. sem dúvida que o irmão pequeno já estava aos berros, com fome. dos peitos da mãe não gotejava mais nada, de murchos. a garrafa de leite do engenho faria o milagre da multiplicação, daria para o dia inteiro, para calar todos os choros de fome. quis falar com um deles, mas andavam tão depressa que me arrependi. para que empatar aquela dedicação comovente? os trabalhadores passavam para os partidos, conversando alto. quando me viram sem chapéu, de pijama, por aqueles lugares, deram-me bons dias desconfiados. talvez pensassem que estivesse doido. como poderia andar um homem àquela hora, sem fazer nada, de cabeça no tempo, um branco de pés no chão como eles? só sendo doido mesmo. rego, josé lins. bangüê. in: ficção completa. rio de janeiro: josé aguilar, 1976. v. i, p. 322-3. há um período composto com apenas duas orações emWanessa está aguardando sua ajuda, Clique aqui para responder.